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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Sefarad, mais do que um conceito... 




Corria o ano de 1492, e em Espanha o esboçar de um grande império dava os seus primeiros passos, com os navios do Almirante Colombo ancorados em terras do Novo Mundo.




Sob a coroa de Castela e Aragão, há muito que os reis católicos, Isabel e Fernando, encetavam uma política de unificação de todo o território, culminando o processo da reconquista com a tomada do reino de Granada aos muçulmanos, no dia 2 de Janeiro de 1492. 




Pintura de  Francisco Pradilla (1848-1921), representando a rendição do rei Boabdil aos Reis Católicos (Museu do Prado, Madrid). 


A Al-Andalus desaparecia para sempre perante o olhar triste e inconformado do rei Abu Abd Allah Muhammad XII, conhecido por Boabdil (último rei de Granada), que ao tomar consciência de ter perdido a sua jóia, não se conteve, e terá derramado lágrimas na hora de sua partida para o exilio.
Três credos e um mesmo Deus coabitavam em Espanha desde há muitos séculos, cristãos, judeus e muçulmanos viviam nas mesmas povoações e cidades, fazendo o comércio, discutindo entre si textos clássicos sobre medicina, poesia ou literatura.
Porém, algo iria mudar radicalmente no quotidiano referente às duas minorias religiosas (principalmente em relação aos judeus), exemplo disso mesmo foram os massacres ocorridos contra muitas das comunas judaicas no verão de 1391, como Sevilha, Córdoba, Toledo, Valência, Palma de Maiorca ou em regiões de Aragão e Catalunha, onde centenas de milhares de pessoas foram assassinadas ou convertidas à força, consequência de uma crise política interna, ampliada pelos discursos inflamados de pregadores locais, entre eles o famoso dominicano Vicente Ferrer.




Vicente Ferrer
 



Matança de judeus em Barcelona - ano de 1391.


(Neste mesmo ano e devido aos tumultos no país vizinho, muitas famílias de judeus entram em Portugal).


(...) Em seguida, os próprios judeus vieram para as igrejas para ser baptizados, e assim eles foram, e muitos em Castela foram feitos cristãos. Depois de seu baptismo, alguns foram para Portugal (...) onde depois de passado algum tempo, voltaram a ser judeus em lugares onde não eram conhecidos (...)

Andres Bernaldez na crónica "Lembranças do reinado dos reis católicos", que abrange alguns destes eventos.




Os reis católicos assinam o decreto de expulsão dos judeus.


Se porventura o ano de 1492 é considerado como um ano de "glória" da antiga Hispânia, já numa perspectiva mais critica podemos considerar que foi o ano em que a Espanha deu um passo atrás. Sefarad e todo o seu legado deixou de existir, envolvido incomensuravelmente pelas nuvens sombrias da intolerância, do medo, da repressão e do empobrecimento de toda uma nação (a nível cultural e económico), algo que se vai passar de forma semelhante no reino de Portugal quatro anos depois. 




As migrações dos judeus portugueses e espanhóis entre 1492 e 1496/97.


Com o decreto de Alhambra de 31 de Março de 1492  (Espanha), e com o édito assinado pelo rei D. Manuel I no Paço de Muge, a 5 de Dezembro de 1496 (Portugal), ordenando a expulsão dos judeus e mouros dos seus respectivos reinos, muitos, senão a maioria dos judeus, pouca coisa levou para além da sua sabedoria, seu pensamento e sua riqueza cultural, de que vão beneficiar os países que os vão acolher. 
Terão levado as chaves de suas casas na esperança de um dia retornarem, levaram com certeza os rolos sagrados da torah e outros manuscritos religiosos e ciêntificos que possam ter sobrevivido a assaltos anteriores às judiarias.
Deixaram  na Península as suas casas, sinagogas, bairros e palácios, mas também as suas tradições.




Sinagoga del Trânsito - Toledo




Judiaria de Sevilha




Judiaria de Hervás - Cáceres




Judiaria de Castelo-Branco - Rua do Caquelé , portado judaico, séc. XV.
Cátedra Alberto-Benveniste - Foto: José da Conceição Afonso (2009).




Rua do Monte dos judeus - Judiaria de Miragaia. - Porto.
Foto de Jorge Portojo




Sinagoga de Tomar



O interessante disto, é que gerações de judeus sefarditas espalhados pelo mundo inteiro receberam dos seus familiares a noção de uma Sefarad como terra pertencente ao imaginário emocional de um povo, terra que é sobretudo espiritual e seus limites geográficos quase infinitos, de tão grande que é e o que representa a palavra sefardita. 





Actualmente, há um ressurgimento emocional ligado ao retorno dos que desejam restabelecer os seus elos com o povo judeu, criando deste modo uma ligação que foi quebrada há mais de 500 anos. Eu fui um deles, voltei não pelo factor determinante da fé ou religião, mas apenas e só pelas ligações ancestrais que tenho com os denominados conversos, uma identificação que paulatinamente fui descobrindo ao longos dos anos no seio familiar. Este é um dos muitos casos idênticos a tantos portugueses que têm o legítimo direito em fazer o seu retorno, basta estarem conscientes do facto e o desejarem. Não é e não será um caminho fácil, devido muitas das vezes à torpeza de objectivos e de atitudes que esbarramos em algumas comunidades, mas é e deve ser o nosso caminho mais natural.
Verifica-se por outro lado a existência em muitas autarquias portuguesas e nas comunidades espanholas, a noção  de que é importante para as suas aldeias, vilas ou cidades, levar a efeito a recuperação de espaços ligados ao  património judaico, seja no preservar dos edifícios situados nas antigas judiarias, cemitérios, na criação de museus ou mesmo na iniciativa de recuperar a memória de tradições há muito relegadas a um segundo plano no panorama histórico. 
Sefarad há muito que ultrapassou o conceito redutor de um território composto por Portugal e Espanha. legítimos herdeiros de uma glória passada no campo do conhecimento como a matemática, música, astronomia, medicina, literatura, ciência ou o comércio.
Hoje, pessoalmente vejo Sefarad como uma símbolo universal do ideal da liberdade e de comunhão entre povos,  sentinela da tolerância  e da construção de um homem melhor.

Esta é a minha Sefarad !!!



Fontes: "O advento dos Reis Católicos e a concretização do seu projecto unificador". Pedro Almeida Cardim - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Cátedra Alberto-Benveniste/www. chabad,org/wikipedia.org/jewishvirtuallibrary.org
Red de Juderías de España/portojofotos.blogspot.pt/www.spain.info/pt/Rede de Judiarias de Portugal/tomar.com.sapo.pt